Publicado por Gustavo Tuller
Requisitos de uma defesa efetiva.
Em quase dez anos de advocacia na área administrativa, conheci muitos advogados que, embora excelentes profissionais, não se sentiam capazes de confeccionar uma boa defesa prévia quando representados na OAB. Embora a autodefesa seja desgastante ao advogado, especialmente por conta do envolvimento emocional com a causa, aqueles que a queiram exercer encontrarão neste artigo dicas valiosas para uma atuação satisfatória.
1. Como o processo disciplinar da OAB é regido e conduzido?
O processo disciplinar da OAB é regido por três diplomas principais: Lei 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia e da OAB), Regulamento Geral do EAOABe Código de Ética e Disciplina. Subsidiariamente, ou seja, quando tais regramentos são omissos, é aplicável a legislação processual penal, por força do art. 68 do Estatuto.
Diante de seu caráter eminentemente sancionatório, o processo disciplinar deve observância aos princípios constitucionais da presunção de inocência, vedação ao bis in idem, ampla defesa, contraditório, in dubio pro reo e demais garantias constitucionais tipicamente concedidas àqueles que são acusados de práticas delituosas. Eventual resistência de relatores estaduais à observância de tais garantias pode ser combatida pelo, quase sempre efetivo, Recurso ao Conselho Federal da OAB e, em casos mais aberrantes, por Mandado de Segurança.
O ônus da prova pertence ao órgão acusador, ou seja, compete à OAB provar a ocorrência da infração disciplinar e não ao acusado provar que é inocente. Ademais, a revelia do representado jamais poderá importar em presunção de veracidade de alegação ou imputação e a ausência da autodefesa do advogado deverá ser suprida pela nomeação de defensor dativo.
2. Preliminares de Competência, Prescrição e Justa Causa
Qualquer nulidade processual pode ser arguida em sede de preliminar na defesa, em especial o cerceamento de defesa e ofensa a garantias constitucionais. O cerceamento de defesa é melhor tratado no artigo Nulidades no Processo Disciplinar na OAB: Cerceamento de Defesa[1], de forma que aqui ficaremos adstritos à competência, prescrição e ausência de justa causa.
Sobre competência, temos que o Processo Disciplinar tramita na Seccional em cuja base territorial tenha ocorrido a infração, salvo se cometida perante o Conselho Federal (art. 70, EAOAB). Na hipótese de infração praticada em município vinculado a Subseção que possua Conselho, esta será responsável pela instrução do respectivo Processo Disciplinar (art. 61, Parágrafo Único, c, EAOAB). As representações contra membros do Conselho Federal e Presidentes de Conselhos Seccionais são processadas e julgadas perante o Conselho Federal (art. 58, § 5º, CED), já a representação contra dirigente de Subseção é processada e julgada pelo Conselho Seccional (art. 58, § 6º, CED).
Sobre a decadência, temos que a legislação que regulamenta o processo disciplinar contra advogados se omite em prevê-la e, embora a jurisprudência do Conselho Federal tenha fixado seu prazo em cinco anos, abre brecha à eternização de seu exercício quando condiciona o termo inicial deste prazo à comprovação do conhecimento do fato pelo interessado, de forma irrestrita. O assunto é tratado de forma mais aprofundada no artigo O Direito do Advogado à Decadência e Prescrição nas Relações com o Cliente[2].
A matéria de prescrição, fixada em cinco anos pela letra do artigo 43 do EAOAB, restou pacificada após a edição da Súmula 01/2011 pelo Conselho Federal da OAB, que de forma bastante assertiva determina que “o termo inicial para contagem do prazo prescricional, na hipótese de processo disciplinar decorrente de representação, a que se refere o caput do art. 43 do EAOAB, é data da constatação oficial do fato pela OAB, considerada a data do protocolo da representação ou a data das declarações do interessado tomadas por termo perante órgão da OAB, a partir de quando começa a fluir o prazo de cinco (5) anos, o qual será interrompido nas hipóteses dos incisos I e II do § 2º do art. 43 do EAOAB, voltando a correr por inteiro a partir do fato interruptivo. II – Quando a instauração do processo disciplinar se der ex officio, o termo ´a quo´ coincidirá com a data em que o órgão competente da OAB tomar conhecimento do fato, seja por documento constante dos autos, seja pela sua notoriedade. III – A prescrição intercorrente de que trata o § 1ºdo art. 43 do EAOAB, verificada pela paralisação do processo por mais de três (3) anos sem qualquer despacho ou julgamento, é interrompida e recomeça a fluir pelo mesmo prazo, a cada despacho de movimentação do processo”.
A justa causa é requisito intrínseco ao processamento da representação disciplinar, pois, sendo a regra constitucional a presunção de inocência, não se justifica a persecução sancionatória imotivada, ou seja, a regularidade da instauração do procedimento penalizador demanda a existência de indícios concretos de ocorrência de infração. Representação disciplinar instaurada sem justa causa, fundada em indícios mínimos, denota parcialidade no exercício do jus puniendi, tribunal de exceção e direito penal do autor, figuras vedadas em nosso Ordenamento Jurídico.
É o que, inclusive, prescreve o Conselho Federal da OAB:
RECURSO N. 49.0000.2015.008947-7/SCA-PTU. Recte: A.O.C. (Adv: Ariosvaldo de Oliveira Chaves OAB/GO 21329). Recdo: Conselho Seccional da OAB/Goiás. Relator: Conselheiro Federal Everaldo Bezerra Patriota (AL). EMENTA N. 025/2016/SCA-PTU. Recurso ao Conselho Federal. Ausência de provas de que o advogado tenha se utilizado de substabelecimento falsificado para recebimento de honorários de sucumbência em autos de execução contra a União. Advogada substabelecente que, muito embora não reconheça a assinatura, afirma que havia contrato de parceria entre as partes, autorizando o advogado a requerer o pagamento dos honorários sucumbenciais. Garantia constitucional da presunção de inocência. Incidência do postulado in dubio pro reo. Provimento do recurso. 1) Ausência de justa causa por falta de provas inequívocas da prática de infração disciplinar pelo advogado indica a aplicação postulado in dubio pro reo, decorrência da garantia constitucional da presunção de inocência, de modo que a existência de meros indícios nos autos não é suficiente para fundamentar a condenação e a consequente imposição de penalidade administrativa. 2) Quanto à ausência de justacausa por falta de provas para condenar o acusado, o art. 68 do Estatuto estabelece a aplicação subsidiária da legislação processual penal comum aos processos disciplinares e, nesse passo, o art. 386 do CPP autoriza a absolvição sumária do acusado, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça, dentre outros, não existir prova suficiente para a condenação. 3) Recurso provido para julgar improcedente a representação. Acórdão: Vistos, relatados e discutidos os autos do processo em referência, acordam os membros da Primeira Turma da Segunda Câmara do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, observado o quorum exigido no art. 92 do Regulamento Geral, por unanimidade, em acolher o voto do relator, parte integrante deste, conhecendo e dando provimento ao recurso. Brasília, 23 de fevereiro de 2016. Carlos Roberto Siqueira Castro, Presidente. Everaldo Bezerra Patriota, Relator. (DOU, S.1, 03.03.2016, p. 108)
3. Mérito
No mérito, a defesa possui dois objetivos: desconstituir a ocorrência dos FATOS e desconfigurar o ENQUADRAMENTO atribuído a estes.
O Conselho Federal da OAB, em matéria disciplinar, há muito fixou o entendimento de que o advogado se defende dos fatos que lhe são imputados, em detrimento da capitulação jurídica que lhes é atribuída:
EMENTA N. 139/2018/OEP. (…) 1) No processo administrativo-disciplinar, o representado se defende de fatos que lhe são imputados, cabendo ao órgão julgador atribuir enquadramento legal próprio a esses fatos. Pelo princípio da correlação entre a imputação e a sentença, se veda que o acusado seja condenado por fato alheio àquele objeto da instrução processual, porquanto não pode restar condenado por fato do qual não teve oportunidade de se defender. (RECURSO N. 49.0000.2016.003351-3/OEP. Relator Tullo Cavallazzi Filho, DOU, S. 1, 14.08.2018, p. 323-324).
Veja-se que o entendimento em tela, como posto, já retira do acusado parcela da segurança jurídica, ao permitir margem de volatilidade quanto à capitulação jurídica a ser atribuída aos fatos descritos pela acusação. Diante de uma CAPITULAÇÃO JURÍDICA flutuante, a única garantia remanescente ao acusado, no assunto, é o conhecimento quanto às CONDUTAS que lhe são atribuídas, nos termos do mandamento expedido pelo Conselho Federal retro colacionado.
Desta feita, uma decisão de admissibilidade que não descreva, especificamente, quais condutas do representado estão sob análise infracional, por certo, lhe cerceia a defesa. Da mesma maneira o faz uma decisão de admissibilidade que se limita a descrever a capitulação jurídica atribuída a fatos que se omitiu em descrever.
Uma vez definidos os fatos e a capitulação jurídica pelo despacho de admissibilidade da representação, compete ao acusado desconstituir sua ocorrência e requerer os devidos ajustes ao enquadramento atribuído aos fatos imputados.
Bom exemplo de ataque à capitulação jurídica atribuída aos fatos infracionais ocorre na representação por locupletamento e ausência de prestação de contas. Embora muito comum admitir-se representações pelas duas infrações, de forma conjugada (art. 34, XX e XXI, EAOAB), fato é que, por vezes, os relatores esquecem-se de que é requisito para a configuração da infração do inciso XXI do art. 34 a recusa injustificada à prestação de contas e que a hipótese não se aplica àqueles casos em que o advogado prestou contas ao cliente, mas este com elas não concorda.
Impossível prever todas as formas de contrapor-se à admissibilidade da representação, pois depende da análise de cada caso concreto, mas este será sempre o raciocínio: a acusação deve ser expressa quanto aos fatos imputados ao acusado e a capitulação jurídica, constante da lei disciplinar, deve amoldar-se perfeitamente ao caso concreto, não se permitindo elastecimentos do texto legal para prejudicar o réu.
4. Provas
A defesa prévia também é o momento processual para que o representado indique todas as provas que pretende produzir, inclusive arrolando testemunhas até o máximo de cinco (art. 59, § 3º, CED).
Pertinente consignar que o relator poderá indeferir provas impertinentes e protelatórias (art. 59, § 6º, CED), motivo por que se deve declinar a pertinência da prova pretendida. Sabe-se, no entanto, que o indeferimento de provas se posiciona, de forma próxima, ao cerceamento de defesa.
5. Conclusão
Embora somente a análise concreta do caso analisado possa fornecer condições para a elaboração de uma defesa precisa, este artigo explorou os pontos mais relevantes e que devem orientar aqueles que estão a produzir defesa prévia em processo disciplinar em trâmite perante a OAB.